terça-feira, 10 de setembro de 2013

O Datado

Poucos se intrometiam com o datado. O datado era assim conhecido pelas pessoas da vila, da mesma forma que elas haviam conhecido os pais dele, e os pais desses, até agora só o conhecerem a ele, o último datado. Um único ser humano (pelo menos não conheciam outros) que cismava em comer, falar, escrever e em fazer um sem número de outras actividades elementares, à própria maneira, mais correctamente, própria de, sabia-se lá, há quantas gerações antes. Por isso lhe chamavam o datado, embora tivessem alguma pena dele, como daqueles que o antecederam, por se privar(em) das conquistas da modernidade, só por ser(em) teimoso(s) ou orgulhoso(s) demais para querer(em) saber com quantas engrenagens o mundo novo se movia. O datado metia-lhes pena, não o entendiam. Parecia-lhes um profundo idiota. Mas poucos se intrometiam com ele, travavam conversa com ele ou tinham interesse em travar, ninguém queria saber o porquê de ele ainda ser irredutível nas suas opções. A justificação oficial era de que não se demove um idiota, convicto no seu erro depois de lhe ser explicado e demonstrado que está em erro; na verdade, ninguém queria ter de descobrir que o datado não era idiota nenhum, que tinha uma razão para fazer o que fazia, razão que sempre existira, e o problema era da vila, do país e de todos quantos nunca lhe prestaram atenção. O argumentário da justificação oficial era, de longe, mais bem construído quase irrefutável, pelo que adoptavam sem mais, evitando debruçarem-se sobre o assunto, excepto em noites de maior bebedeira. A mais e mais eles nunca seriam como ele, nem ele como eles, e como tal, tudo bem.