terça-feira, 8 de setembro de 2015

Alambique

Adnan levanta a cabeça do seu smart phone de última geração com 3G. À sua volta, os seus familiares e vizinhos estão amontoados uns em cima dos outros, como bonecos de trapos, encharcados pela água do mar. De 3 em três horas, atira um deles da pequena embarcação, com esperança que vá desaguar numa qualquer praia e seja apanhado pelas objectivas dos repórteres europeus.
Volta a olhar para o ecrã mágico do seu dispositivo móvel e a perder-se na nuvem. Está à procura do seu alvo na Guerra Santa. "Hmmm, França, Espanha, que país pequenito é este aqui na ponta? Portugal..."
Um vídeo qualquer sobre pizza com extra queijo e pepperoni chama-lhe a atenção. Nunca provou pizza, muito menos de pepperoni, a sua religião não lhe permite comer carne de porco. Isso e receber assistência da Cruz Vermelha. É bastante problemática, esta religião. Adnan não se importa. É tudo o que conhece: ódio aos infiéis e à bandeira da Suíça — que nojo.
Está a sonhar acordado quando o alarme soa, lembrando-o que tem de lançar mais um cadáver. Perdeu-se a ler artigos e listas e mais listas de tops mundiais dos melhores países, onde Portugal aparece sempre. "Como é possível nunca ter ouvido falar deste país e eles terem o melhor vinho verde, a segunda melhor cidade do mundo para visitar em época baixa, a sétima casa mais rústica feita em pedra e a terceira praia mais limpa?" — pensa, enquanto lança o seu ex-primo de 7 anos borda fora.
Dez anos depois, Adnan é um exemplo de integração. Sabe o hino, come tremoços a ver a selecção. Tem o símbolo da Federação Portuguesa de Futebol tatuado no braço. Já come rojões, e embora as cruzes ainda lhe queimem a pele como o vampiro estrangeiro que é, não deixa de ir ao Feice comentar os assuntos sociais de relevo.